segunda-feira, 1 de outubro de 2012

À Balaustrada



Parece que foi ontem que a Poesia, meditando à balaustrada da Ponte das Bandeiras, assustou-se com o buzinaço de um caminhoneiro: “Gostooosa!”, desequilibrou-se e caiu no rio.

         Nunca mais se ouviu falar na delicinha, deve ter sido devorada por Clara Crocodila, a tarada sereia paranaense de lira paulistana na mão. Ou quem sabe não saiu pelas croacas dos afluentes afogados em esgoto, entrada de emergência para ratas da sua laia, baratas, capivaras e grafiteiros do submundo? Quem sabe não escapou e anda a tonta nesta cidade sem memória esperando a sua hora de ser queimada como se fosse gente abandonada? Ou quem sabe não virou cachorra e foi adotada por alguma banda de funk carioca e manquitoleia seu pé quebrado descendo até o chão?

         Parece que foi ontem que a Poesia, desesperada de amor pela Paris do XIX, brincou uns passinhos de equilibrista na balaustrada e despencou-se ponte e madrugada abaixo, sem dar mais bandeira que um bilhetinho lacrimoso de despedida.

         Nunca mais se ouviu falar na moreninha, deve ter se arrependido no meio da queda e subido aos céus sem se molhar a virgem, ou virado, quem sabe?, a Loira do Banheiro? Ou fez-lhe um soneto um fedelho do curso de direito? Ou foi violentada pelo Bandido da Luz Vermelha? Oi foi resgatada por um canoísta do Club Espéria pra morrer de tuberculose sob a fina garoa procurando pra se confessar o pátio do colégio transformado em palácio da canalhada?

         Parece que foi ontem que a Poesia, brincando de amarelinha, foi atropelada por um fusquinha cor-de-bege-quando-setenta na sobrescrita maldita ponte. Nunca mais se ouviu falar na safadinha. Moradora das maloca à beira do rio, deve ter sido árvaro dargum desarnesto. Ou será que é história pra encobrir a tortura seguida de morte no DOI-CODI? Ou será que no banco de trás de uma Brasília amarela engravidou do Pelé, e ele não reconheceu Crônica, a filha? Quem sabe não está por aí, malucuquinha beleza, no Sesc Pompeia perdida no tempo em que ainda tinha acento, viva vivinha esperando Zé Celso lhe convidar pra posar nua nuinha num calendário de oficina?


         Quem sabe? Parece que foi ontem que a cidade-dragão ainda cuspia sangue de Poesia até nas esquinas mais óbvias, até no posto Esso da Ipiranga, no posto Shell da São João. Parece que foi ontem, e nunca mais se ouviu falar nela.

2 comentários:

André Diaz disse...

Paulo, hoje estava na espera do banco, folheando aquele livrinho "O que é Poesia"...Quando um som aterrador como que saído das mais profundas e tenebrosas profundezas do Inferno de Dante...Não! dante não merece isso! O seu inferno é o paraíso perfeito perto daquele horror...Um maldito funkeiro ouvindo seu barulho sem fones de ouvido! Perdi a concentração de minha leitura! E perdeu-se tambem a poesia no ralo de esgoto aberto daquele celular nauseabundo! Como ando muito mais sensivel ultimamente...Confesso que meus olhos lacrimejaram como os seus no sábado! Quis chorar por aquele pobre ignorante..Quis chorar por nós e pela Arte!

Caranguejunior disse...

Bondemais Paulão!

Parece mesmo que foi ontem, mas outro ontem é hoje e outro hoje, amanhã...