Parece que foi ontem
que a Poesia, meditando à balaustrada da Ponte das Bandeiras, assustou-se com o
buzinaço de um caminhoneiro: “Gostooosa!”, desequilibrou-se e caiu no rio.
Nunca mais se ouviu falar na delicinha, deve ter sido
devorada por Clara Crocodila, a tarada sereia paranaense de lira paulistana na
mão. Ou quem sabe não saiu pelas croacas dos afluentes afogados em esgoto,
entrada de emergência para ratas da sua laia, baratas, capivaras e grafiteiros
do submundo? Quem sabe não escapou e anda a tonta nesta cidade sem memória
esperando a sua hora de ser queimada como se fosse gente abandonada? Ou quem
sabe não virou cachorra e foi adotada por alguma banda de funk carioca e
manquitoleia seu pé quebrado descendo até o chão?
Parece que foi ontem que a Poesia, desesperada de amor pela
Paris do XIX, brincou uns passinhos de equilibrista na balaustrada e
despencou-se ponte e madrugada abaixo, sem dar mais bandeira que um bilhetinho
lacrimoso de despedida.
Nunca mais se ouviu falar na moreninha, deve ter se arrependido
no meio da queda e subido aos céus sem se molhar a virgem, ou virado, quem
sabe?, a Loira do Banheiro? Ou fez-lhe um soneto um fedelho do curso de
direito? Ou foi violentada pelo Bandido da Luz Vermelha? Oi foi resgatada por
um canoísta do Club Espéria pra morrer de tuberculose sob a fina garoa procurando
pra se confessar o pátio do colégio transformado em palácio da canalhada?
Parece que foi ontem que a Poesia, brincando de amarelinha,
foi atropelada por um fusquinha cor-de-bege-quando-setenta na sobrescrita maldita
ponte. Nunca mais se ouviu falar na safadinha. Moradora das maloca à beira do
rio, deve ter sido árvaro dargum desarnesto. Ou será que é história pra
encobrir a tortura seguida de morte no DOI-CODI? Ou será que no banco de trás de
uma Brasília amarela engravidou do Pelé, e ele não reconheceu Crônica, a filha?
Quem sabe não está por aí, malucuquinha beleza, no Sesc Pompeia perdida no tempo
em que ainda tinha acento, viva vivinha esperando Zé Celso lhe convidar pra
posar nua nuinha num calendário de oficina?
Quem
sabe? Parece que foi ontem que a cidade-dragão ainda cuspia sangue de Poesia até
nas esquinas mais óbvias, até no posto Esso da Ipiranga, no posto Shell da São
João. Parece que foi ontem, e nunca mais se ouviu falar nela.